quarta-feira, 8 de abril de 2015

Um disco de compositor

Agradecimentos especiais a Patrícia Chammas


Uma das grandes vantagens dos artistas independentes é poder mostrar seu trabalho da forma que foi concebido, sem a intervenção de produtores fonográficos que costumam conceituar o álbum, mudando, muitas vezes, a essência que o compositor queria mostrar. “Ferramenta Quente” é o segundo álbum do compositor, poeta e cantor pernambucano radicado em São Paulo há 20 anos, Evandro Camperom.
Produzido por Fabá Jimenez e Caio Andrade, o álbum apresenta 11 faixas, sendo três em parcerias. Camperom mostra uma música simples, porém rica, recheada da poesia que nasceu com ele em São Lourenço da Mata, município 20 km distante da capital pernambucana.
A amizade também está presente na concepção deste CD, já que a banda é formada pelos “chegados” Caio Andrade (guitarra), Luque Barros (baixo) e Caio Lopes (bateria), formação essa que faz reverência à “santíssima trindade” do rock. Trata-se de um trabalho autêntico, rico de imagens poéticas que o artista busca em seu imaginário nordestino e de cidadão do mundo que é.
“Ferramenta Quente” é um testemunho musicado, é uma declaração de amor, um grito no sereno do caso e do acaso, é a roupa que veste a solidão, um mergulho no açude cravado no lajedo dos desejos.
A primeira canção, “Lábia” (Caio Andrade/Evandro Camperom), já nos mostra o cartão de visitas do cantor-poeta, que tem o domínio das palavras e as conjuga entre melodias e acordes: “Meu verbo é o revesso do jogo/é o jorro da baba do santo/é a veia vazada do vento/é a língua afiada do fogo...” A realidade dos imigrantes nordestinos quando chegam a São Paulo e têm de dar notícias é muito bem cantada na crônica “Mãe” (E.C.). Na segunda canção em parceria, “Samba pra Ela” (André Bedurê/Evandro Camperom), o artista traz uma composição ácida, com marcação pulsante, de letras tralhadas no aço. Vale conferir.
Uma canção para ser ouvida com os olhos do coração tem a participação especialíssima do pai do artista, Rodrigues Camperom, emprestando a voz nos belos versos de “O Sonho dos Bichos”: “Dorme filho meu, pois que já é noite/Mesmo as estrelas foram se deitar/Na rede branca do luar/De prata de brilhar/Embaladas pelo sopro do ar” – terceira e última parceira do CD, desta vez com Chico Valle.
As canções a seguir são assinadas pelo cantor que mostra um trabalho denso e enxuto, levando o ouvinte ao passeio por sonoras imagens que hipnotizam o ouvinte do começo ao fim da audição.
“O destino da fumaça é sempre o céu/Toda cinza é a memória do vulcão/O fogo só respira pra queimar o chão/Arrisca e risca o fósforo da vida” são versos que ouviremos em “El Comandande”.
Camperom é o que há de mais moderno em poesia. Bebeu na fonte de nomes como: Ascenso Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Carlos Pena Filho, entre outros. Sua poesia vem de suas veias, de sua respiração, da combustão dos seus sonhos.
O amor em metáforas é o que Evandro nos apresenta em “O Último Cantor”, com versos assim: “Um rádio abandonado no andor/Toca baixinho um canção de amor/Um cão urina sobre o som do rádio/E mata afogado o último cantor”. Destaque para o trio de músicos que “mandam” muito, não só nesta canção, mas em todas as demais. Esse CD se resume num livro de poemas musicados – ele te remete a imagens que nos permitem fazer parte de cada tema.
Quer ouvir um bom rock? “No Pino do Meio-dia” e “O Céu” representam o estilo no álbum. O amor em outras dimensões veremos em “Campolina”: “O amor entre a pedra e a vidraça/Amor entre a guerrilha e a praça/Entre a pisadela e o chão/Entre o corisco e o trovão/Amor que afina e desatina/Égua Campolina e cavalo do cão”. O cavalo do cão é um besouro típico da região Nordeste.
Para finalizar a audição dessa obra de arte sonora, Evandro convida o amigo e conterrâneo Junio Barreto para dividir os vocais na bela “Ciranda Triste”.
“‘Ferramenta Quente’ é o namoro do homem com o ferro. O amor do martelo pela chapa de aço, a luta entre o objeto imaginado e a matéria. É fogo derivado do atrito entre o delírio e a razão. O machado e seu corte. Pedra de raio rasgando o céu. Caminhos abertos no dente. As unhas que cavam a terra até pularem dos dedos. A vontade de correr: a partida, a corrida e a vontade de chegar pra correr de novo. A vontade... quente. Como o sangue é quente. Quente: feito lágrima quente. Quente: que nem saliva quente. Quente: como o amor é quente. Feito o afago de um amigo bom, a semeadura de todo som: é quente”, diz o cantor.
Você pode conferir o show de lançamento do CD “Ferramenta Quente” dia 16 de abril, às 20h, na Sala Itaú Cultural. Av. Paulista, 149. Entrada franca, com ingressos retirados meia-hora antes.

2 comentários:

  1. Com certeza um belíssimo trabalho de mais um querido músico que representa a nossa MPB !!!! Obrigada Dery !!!

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  2. Versos inspirados em belas melodias. Gostei muito.

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