quarta-feira, 16 de julho de 2014

O som setentista de Paulo Mourão


Agradecimentos especiais a Patrícia Chammas


Nesta semana nossa coluna se rende ao som setentista do jornalista, violeiro cantor, compositor mineiro e cidadão da estrada, Paulo Mourão. O músico resgata dez canções do baú de uma carreira de quarenta anos para compor seu sexto CD, “Flores e Feridas”. Gravado na Bahia, o álbum foi produzido e arranjado por Esmera Rock. Em um papo via rede social o músico me contou que criou o grupo musical Bandarra nos anos 1970, em plena adolescência, e que foi mandado embora por seus colegas de banda. Na época ele já havia criado alguns temas que fazem parte deste trabalho, e o restante foi composto durante os três anos (dos 18 aos 21) em que ficou viajando entre o sertão e o agreste, muitas vezes de caminhão, mas uma boa parte a pé. “O legal é que são canções de minha juventude, do meu tempo de estrada, na acepção da palavra. São rocks, blues, baladas, todos compostos na viola de 10 cordas”, diz o violeiro.
Para os jovens leitores é uma oportunidade de ouvir o tipo de som que se fazia há 40 anos. Para os contemporâneos, pura nostalgia. As boas-vindas se dão com um bom e velho rock, “Sentir o Vento” (P.M.). Paulo sabia que no baú havia preciosidades que tinham de ser gravadas. Agora ele nos apresenta a bela balada “Algo Para Ser” (P.M.). De suas andanças por esse Brasil ele canta na terceira faixa, “Só Poeira” (P.M.). A letra da balada declara: “Só poeira dos passos / De um caminhante triste / A poeira juntou com lágrimas / Em lama se transformou / O dia que não despontou / O sol que não clareou / Estrela que nunca brilhou / Parece até que a vida já se acabou”.
Para os que curtem o gênero, o artista reservou o “Velho Bluesão Desbotado” (P.M.). Nele, Mourão descreve suas aventuras e desventuras do amor aos 17 anos. Vale conferir. A quinta canção é um rock-testemunho, “Meus Companheiros” (P.M.). A música fala dos tempos difíceis, após prisão do artista, em Belém. Sob tortura e maus-tratos, queriam que ele falasse sobre a Guerrilha do Araguaia, de 1974. Na época ele tinha 19. Todo forasteiro – e ele, por ser estradeiro –, era suspeito. Paulo teve dentes quebrados, ficou muito machucado, mas não conseguiram violar sua índole. O “companheiro” era ele mesmo, pois sempre viajou sozinho, mesmo que se enturmasse no caminho. Uma das canções mais belas do CD: “Dentes partidos, sorriso franco / Boca estragada, palavra limpa / Olhos vermelhos, poeira da estrada / Olhos vermelhos, clareza e nada”. Em “Linda Canção” (P.M.), a letra da balada diz: “Meu bem, conte sempre comigo / Pra sorrir, pra lutar, pra fugir, pra chorar”.
Aos 59 anos, o artista revisita sua infância e canta em “Menino de Rua” (P.M.) os versos: “Sempre tive medo / De ser o que sou / A temer o que ouvir / Seja por bem ou por mal”. Para finalizar, Paulo apresenta “Se” (P.M.), que descreve o quanto a vida tem sido dura. Em “Estrela Morta” (P.M.), mais um blues e uma alusão à estrela, que é seu próprio coração. E “Bege” (P.M.) dá um tom de esperança à compilação. Destaque para o diálogo entre a viola e acordeon.
O belo e o sofrido da vida se ouve em “Flores e Feridas”.

2 comentários:

  1. Mais lindo que o disco é a história do cantor. Esse choque da vida estradeira, pacífica, acreditando em sonhos e colhendo as coisas boas da paisagem, de repente se defronta com toda a violência de uma estúpida ditadura militar... Já gostei do disco. Belo artigo, Dery. Ótima escolha.

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  2. O texto convence e traduz com uma linguagem poética a produção de Paulo Mourão. Conheci por acaso a música desse violeiro, quando uma amiga de Belo Horizonte sugeriu que eu entrasse na página dele. A primeira canção que ouvi foi "Amo-te muito", não me recordo de quem é a autoria no momento. Me emocionei com a interpretação uma vez que essa música sempre me sensibilizou. Achei que seria somente um flerte, depois de me aprofundar , ouvir as demais canções, me debruçar sobre o universo desse mineiro, fiquei apaixonada. A viola bem ponteada, entoando letras que não se restringem a uma só temática, estabeleceu entre a musicalidade dele e eu, uma gostosa conexão. Mourão transporta para sua viola em punho, a própria história, composições genuinamente caipiras, outras que falam da beleza suprema criada por Deus e ainda composições que contextualizam sutilmente a cena da política em nosso país. Isso sem recorrer a apelos panfletários. Ficam nas entrelinhas pra bom entendedor. A alegria que emana quando está posicionado no palco se irradia entre o público. Percebi essa característica ao assistir os vídeos dele. Enfim: Paulo Mourão é de uma pluralidade musical de impressionar a qualquer um. Nessa história a figura de Adriana Lopes. A voz dócil se encaixa na dose certa quando canta ao lado do companheiro. É esse pessoal de Minas Gerais não brinca em serviço não, já dizia meu pai. Rsrs
    Adorei seu texto Dery Nascimento. Um abraço!

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