quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Da poesia marginal às crômicas urbanas


                                                                                                   Edição e revisão: Marsel Botelho
                                                                                                            

                                                                                          
                                                                                                           O Coletivo mostrando sua cara



A cena musical independente ganha força e horizonte a cada dia: produções riquíssimas em melodia e poesia nos chegam às mãos constantemente: a facilidade em produzir, principalmente em distribuir, faz crescer entre os artistas uma nova estética musical, que vem determinada pela geometria não-euclidiana do ciberespaço das plataformas digitais: músicos, cantores e produtores expandem o desejo comum de pôr em prática o som do ofício do fazer autoral. Os músicos Bjanka Vyunas (voz), Fernanda Broggi (voz), Julio Oliveira (percussão/synths), Michel de Moura (guitarra/voz), Renato Ribeiro (guitarra/violão/metalofone), Thiago Babalu (bateria), Thiago Pereira (double bass) são representantes legítimos dessa inquietação, que se concretizou com a formação da banda “NÔ.

O CD de estreia, “Farpa”, apresenta 12 faixas assinadas coletivamente: o disco transita pelo samba, jazz, sem esquecer o experimentalismo, que não é aquele de meados do século XX. Novas vozes ecoam o frásico e o melódico em coros apocalípticos e pensamentos selvagens. Os membros da “NÔ são velhos protagonistas do cenário libertário e autônomo da música paulista. “Farpa” é um trabalho de retradução da poesia marginal através de crônicas cotidianas, cujo referencial literário toma assento na modernidade de Walter Benjamin e Viveiros de Castro: “Fodam-se os egos individualistas, nossa voz é nossa arma, no grito ou na calma, arma-preta, arma-breve, quando explode é leve, como a morte, como os pássaros, como farpa.”  Assim é “NÔ, explosão vulcânica.

O disco se dispõe a capturar as disrupções de uma sociedade pós-moderna, à medida que se torna mais virtual, estabelecendo estruturas narrativas comprometidas com o sujeito coletivo, aderidas nas referências sonoras e filosóficas, nos situando no fluxo dessa experiência sensitiva. “NÔ é música brasileira para os dias de hoje. Uma guitarra dedilhada, o rufar da bateria, harmonizados por um coro, anunciam “Tudo que tenho a dizer”. Em “Mercado de Lutas”, a letra dimensiona a vontade de quem faz do canto instrumento de luta contra o estaticismo social. Ao ouvir a introdução de “Nada Ficou”, vem à lembrança o repentista Oliveira de Panelas, sua viola em punho, fazendo ponteios. Em “Xangô”, emerge uma letra que simboliza a resistência. A crítica social, feita direta e sem máscaras, está presente em “A Modernidade Não Cumpriu seu Papel”. O cotidiano nas grandes cidades, com suas injustiças e sonhos desfeitos, ouve-se em “Unhas e Dentes”: “É com unhas e dentes que defendo a vida.”

Um belo violão dá as boas-vindas no Samba “Farpa/Samba de Classe”, que fala do medo da polícia, das mazelas sociais e das injustiças diárias. “Nã” convida à reflexão: mas o alerta também é político. Seguem as composições “Cara de Tanga” e “Eu não pareço nada com você”. “NÔ é mais que um grupo musical: é turbilhão de informações musicadas, é a voz que faz a cabeça do mal-informado e dá o alerta do qual precisamos. Acesse www.na.art.br para ouvir “Ira”, “Aos Mestres”, ”Santo Guerreiro”, “Como os Pássaros” e muito mais. Que venha o segundo.


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