quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Quarenta e cinco anos depois

Edição e revisão: Marsel Botelho




           Em meio ao momento turbulento  da ditadura militar, Lô crava na história uma obra prima 








Começamos o ano muito bem, escrevendo sobre o quadragésimo quinto aniversário do lançamento de um álbum que se tornou um clássico da MPB, “Lô Borges”, 1972, mais conhecido como o “Disco do Tênis”.  Lô, que comemorou, no último dia 10, seu sexagésimo quinto aniversário, vem presentear o público paulista com o “show” representativo daquele famoso “Long Play” (LP), que, pela primeira vez, será executado na íntegra, mantendo os arranjos originais.
Lançado no auge dos seus 19 anos, o “Disco do Tênis” foi concebido no mesmo ano do Clube da Esquina, disco que Milton Nascimento dividiu com o jovem cantor e compositor. Seu primeiro trabalho musical foi feito de modo experimental e às pressas, mas cravando, na história da música brasileira, seu nome.

Com letra do violonista, compositor e cantor de Juiz de Fora, Tavinho Moura, o disco abre com a explosiva “Você fica bem melhor assim”. A guitarra distorcida nos conduz por versos que dizem: “Você fica bem melhor assim/Até o fim da semana que entra/Pelo mês adentro colorindo/O espaço em branco que ficou desde dezembro.” Não se há de duvidar da estranheza desses versos, que vêm, desde o início, caracterizar seu gosto acentuado pelas metáforas (ainda refratárias da chamada poesia moderna). O violão, que ouviremos em “Canção postal” (Lô Borges/Ronaldo Bastos), dita notas melancólicas para o belo poema. Os vocais nos remetem às viagens que os autores fizeram ao mundo dos “Beatles”, fonte intensa de audição. A primeira parceria entre os irmãos Borges no disco, “O caçador” (Lô/Márcio), revela-nos um instigante lirismo fecundado numa semântica existencialista, que, mais tarde, irá desaguar na consagrada canção Trem Azul.

Ouviremos uma sequência de três temas assinados pelo próprio Lô: “Homem da rua” abre a série, poesia reflexiva, existencialista, conforme iniciava a produtiva década de 70, cuja música brasileira iria engajar-se política e existencialmente. Nunca tinha ouvido nada mais cartesiano do que “Não foi nada”: “Sonhei que eu nunca existi e vi que eu nunca sonhei”, essa é a pegada da canção, uma paráfrase, por assim dizer, ao “penso, logo existo”, do filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650); para Lô, “sonho, logo existo”, não dá para não associar o poemeto à atitude psicodélica do final dos anos 60, que fez parte da construção do ideário desses jovens artistas. “Pensa você” é como sonhar acordado. Lô nos mostra os temas instrumentais "Fio da navalha", "Calibre", "Toda essa água", nesse álbum poético-experimental, às vezes calmaria, às vezes maremoto, tempos alucinógenos e de pura inocência.

Outra temática em poemeto existencialista é “Pra onde vai você” (Lô Borges). Um dos temas de rara beleza da discografia do Lô nascia nesse disco, “Faça seu jogo” (Lô Borges/Márcio Borges). “Não se apague esta noite” (Lô Borges/Márcio Borges), enfim, o disco traz uma poética estruturada no abstrato, na libertação dos sonhos e do inconsciente.

Confira ao vivo e na íntegra o “show”: Lô Borges, Sesc Vila Mariana, 13 a 15 de Janeiro, Rua Pelotas, 141, Vila Mariana, São Paulo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário