Edição e revisão: Marsel Botelho
Em meio ao momento turbulento da ditadura militar, Lô crava na história uma obra prima
Começamos
o ano muito bem, escrevendo sobre o quadragésimo quinto aniversário do
lançamento de um álbum que se tornou um clássico da MPB, “Lô Borges”, 1972,
mais conhecido como o “Disco do Tênis”.
Lô, que comemorou, no último dia 10, seu sexagésimo quinto aniversário, vem
presentear o público paulista com o “show” representativo daquele famoso “Long
Play” (LP), que, pela primeira vez, será executado na íntegra, mantendo os
arranjos originais.
Lançado
no auge dos seus 19 anos, o “Disco do Tênis” foi concebido no mesmo ano do
Clube da Esquina, disco que Milton Nascimento dividiu com o jovem cantor e
compositor. Seu primeiro trabalho musical foi feito de modo experimental e às
pressas, mas cravando, na história da música brasileira, seu nome.
Com
letra do violonista, compositor e cantor de Juiz de Fora, Tavinho Moura, o
disco abre com a explosiva “Você fica bem melhor assim”. A guitarra distorcida
nos conduz por versos que dizem: “Você fica bem melhor assim/Até o fim da
semana que entra/Pelo mês adentro colorindo/O espaço em branco que ficou desde
dezembro.” Não se há de duvidar da estranheza desses versos, que vêm, desde o
início, caracterizar seu gosto acentuado pelas metáforas (ainda refratárias da chamada
poesia moderna). O violão, que ouviremos em “Canção postal” (Lô Borges/Ronaldo
Bastos), dita notas melancólicas para o belo poema. Os vocais nos remetem às
viagens que os autores fizeram ao mundo dos “Beatles”, fonte intensa de
audição. A primeira parceria entre os irmãos Borges no disco, “O caçador”
(Lô/Márcio), revela-nos um instigante lirismo fecundado numa semântica
existencialista, que, mais tarde, irá desaguar na consagrada canção Trem Azul.
Ouviremos
uma sequência de três temas assinados pelo próprio Lô: “Homem da rua” abre a série,
poesia reflexiva, existencialista, conforme iniciava a produtiva década de 70,
cuja música brasileira iria engajar-se política e existencialmente. Nunca tinha
ouvido nada mais cartesiano do que “Não foi nada”: “Sonhei que eu nunca existi
e vi que eu nunca sonhei”, essa é a pegada da canção, uma paráfrase, por assim
dizer, ao “penso, logo existo”, do filósofo e matemático francês René Descartes
(1596-1650); para Lô, “sonho, logo existo”, não dá para não associar o poemeto
à atitude psicodélica do final dos anos 60, que fez parte da construção do
ideário desses jovens artistas. “Pensa você” é como sonhar acordado. Lô nos
mostra os temas instrumentais "Fio da navalha", "Calibre",
"Toda essa água", nesse álbum poético-experimental, às vezes
calmaria, às vezes maremoto, tempos alucinógenos e de pura inocência.
Outra
temática em poemeto existencialista é “Pra onde vai você” (Lô Borges). Um dos
temas de rara beleza da discografia do Lô nascia nesse disco, “Faça seu jogo”
(Lô Borges/Márcio Borges). “Não se apague esta noite” (Lô Borges/Márcio Borges),
enfim, o disco traz uma poética estruturada no abstrato, na libertação dos
sonhos e do inconsciente.
Confira
ao vivo e na íntegra o “show”: Lô Borges, Sesc Vila Mariana, 13 a 15 de Janeiro,
Rua Pelotas, 141, Vila Mariana, São Paulo.
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