quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Um mergulho em palavras

Agradecimentos especiais a Patrícia Chammas



O vocabulário da nossa língua é extenso, mas ultimamente parece que estamos acomodados ao uso das palavras corriqueiras que preenchem o básico do nosso cotidiano. Ouvir Tupynamjazz – quinto álbum do baiano de Itabuna, Sérgio Di Ramos – é mergulhar em um rio cristalino de palavras poéticas, como seixos rolados nas margens de um Brasil que desconhecemos. Di Ramos assina 13 canções das 15 que compõem o CD, além da direção artística e produção, e divide os arranjos com Charles Williams.
Não é todo dia que ouvimos um trabalho com vocabulário tão rico e uma sonoridade que nos permite adentrar os caminhos desses brasis. As duas primeiras canções, “Mundo de Porancy” e “Mainá Tupinambá”, nos aproximam um pouco da essência do povo indígena. A primeira exala os rituais de comunhão com a mãe terra. O artista segue como porta-voz deste povo que sofre para manter vivas suas crenças, como visto nos versos: “Não sei mais arar/Não sei mais amar/Perdi a inocência do mundo/Não sei mais caçar/Não sei mais pescar/Piracema deixou de subir/Não sei mais sorrir/Levaram tudo de mim...” A segunda encanta pela percussão e solos de flauta pan – além do canto sublime, nos apresenta palavras do vocabulário dos nossos irmãos índios.
Com participação especial dos pernambucanos do Quinteto Violado, que assinam os arranjos e dividem os vocais com Sérgio Di Ramos, a gostosa “Rosário de Licuri” dá sequência à audição. Quem conhece as festas típicas do Nordeste sabe que licuri é um coquinho. Sérgio ficou afastado da música por 25 anos e retornou em 2008, depois de um papo pra lá de cultural com o saudoso Toinho Alves (Quinteto Violado). Um violão dialogando com uma flauta e uma letra mais que introspectiva ouviremos em “Como Deve Ser”. A primeira parceira do CD é com o mestre e violeiro Chico Lobo. Aqui ambos cantam “Código de Barras” numa verdadeira folia. A poesia que vem do pomar, um dos temas mais belos do CD, aparece em “A Manga que Rolou”. Vale degustar as doces palavras!
A terceira participação especial vem de Ouro Preto (MG) – Bárbara Leite canta e toca violão no belo samba “Esquina”. Sérgio é um poeta da terra, nela ele busca os nutrientes para nos sevir em forma de canção. Em “A Curva e o Tempo”, vamos sentir que a vida é um ponto solto no ar. O poeta não poderia esquecer o mar e, para ele, declara seu amor em “Duas Forças”. A segunda parceria é com o letrista Aleilton Fonseca. Juntos cantam a poética “Rio Cururupe”. Até achei que a próxima música fosse do grupo Taracon, por sua sonoridade, mas a composição é do próprio Sérgio, que entra no tema do momento: a falta de chuva. Aqui ele canta “As Águas de Quixeramobim” e “Trônico”. Não poderia faltar um frevo, bem ao estilo Dodô e Osmar, que se ouve em “Desaprendizando o Amor”. Com a metafórica “Margarida”, Di Ramos fala do amor. Para finalizar, o artista nos convida para uma grande brincadeira com amarelinha e bambolê, regados a um bom frevo em “Jardim Amarelo”. Sérgio Di Ramos é a palavra em forma de canção.

4 comentários:

  1. Só de ler já podemos sentir a emoção que esse CD nos traz . Nesse barco serei marinheira de primeira viagem e com coração aberto a conhecer esse precioso trabalho de Di Ramos !!! Obrigada Dery por mias uma vez compartilhar as riquezas da nossa MPB !!!

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  2. Muito bom, conhecer um Brasil ainda desconhecido da grande mídia. Como somos ricos, culturalmente, e não sabemos.

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  3. O Tupynamjazz agradece a todos que contribuem para a cultura brasileira, especialmente Dery Nascimento, que além de músico, cantor se debruça sobre as palavras para analisar com maestria a música e seus operários dos versos de um Brasil distante.

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