Foto de abertura: Roberto Salazar
Agradecimentos especiais a Patrícia Chammas
Trinta e oito anos após o lançamento do emblemático vinil “Imyra, Tayra, Ipy”, do saudoso compositor e cantor Taiguara (1945-1996), o show de mesmo nome
saiu do cárcere e ganhou o palco do SESC Belenzinho nos dias 30 e 31 de maio
passados. Em 1976 o disco recém-lançado, verdadeira obra de arte, foi recolhido
72 horas após chegar às lojas, por determinação da censura do governo militar do
então presidente Ernesto Geisel (1907-1996). O espetáculo marcado para o dia 1o
de maio daquele mesmo ano, nas ruínas de São Miguel das Missões, no Rio Grande
do Sul, foi cancelado apenas 24 horas anteriores à sua realização. Esses fatos
demonstravam que Taiguara estava muito próximo de conseguir realizar seu sonho.
Ele já vinha sendo perseguido em seus trabalhos, mas nada se compara ao que
sofreu por conta desta obra. O artista sempre driblava a censura usando
pseudônimos na autoria de algumas faixas e o nome de sua esposa na época,
Gheisa Chalar da Silva – que se encontrava presente no show nitidamente
emocionada – responde pela autoria das três canções consideradas mais
controversas: “Terra das Palmeiras”, “Situação” e “Público”. Os arranjos do trabalho ficaram a cargo do
mago Hermeto Pascoal e a regência foi de Wagner Tiso. Uma verdadeira seleção de
pedras preciosas da nossa música compôs a banda que se reuniu para gravar o
álbum: Toninho Horta, Novelli, Jaques Morelenbaum, Nivaldo Ornelas, Zé Eduardo
Nazário e mais de 70 músicos de orquestra.
Havia rumores de que este fonograma se perdera na EMI-Odeon, mas, para
supressa de todos, em 2002 o disco foi remasterizado, editado em CD e colocado
à venda no Japão. Assim, o velho boato que rodava em torno da perda da matriz
se desfez. Em agosto de 2013 chegou às lojas brasileiras a tão esperada obra do
mestre Taiguara, com a marca Kuarup de qualidade e distribuição da Sony.
Lancei nas redes sociais uma campanha em busca de pessoas que tivessem conseguido
adquirir essa raridade e, entre os que se manifestaram, alguns são envolvidos diretamente
com a música, como a cantora portuguesa Eugénia de Melo e Castro, que disse:
“Esse disco foi minha referência desde que
saiu. Sei de cor inteirinho.” O compositor e cardiologista mineiro, Márcio
Hallack, afirmou: “Foi meu LP de
cabeceira por longos anos. Há poucos meses, quando ouvi ‘Terra das Palmeiras’
de novo, chorei copiosamente, como se tivesse feito uma ‘retrô’ mental e
espiritual.” A produtora cultural de Belo Horizonte (MG), Marcela de Queiroz
Bertelli, não
mediu esforços para vir conferir esse show histórico para a música brasileira. Ela
nos conta com um tom embargado pela emoção: “Quando nasci meus pais me deram este nome
inspirados na canção ‘Berço de Marcela’, do Taiguara. Apenas por isso, já cultivei
um afeto pelo compositor, mas é claro que sua voz, sua poesia e sua presença
valem muito mais do que esse fato. ” O compositor Carlos Tiso afirma que Imyra,
Tayra Ipy, é um dos melhores discos já produzidos no Brasil. Ele relata
seu primeiro contato com o disco: “Andando pela rua Rio de Janeiro, centro de
Belo Horizonte, em meados de 76 foi quando o ouvi pela primeira vez. Fiquei
surpreso ao ver que era Taiguara, por ser diferente de tudo o que ele tinha
feito até então. Maravilhoso!”
Havia uma ansiedade muito evidente nas pessoas que aguardavam no saguão para
adentrar o teatro. Antigos conhecedores da obra de Taiguara dividiam espaço com
muitos jovens em busca de saber o que se passava na cabeça do músico e homem
politizado que ele era.
Com a mesma banda que gravou o vinil
em 76 – exceto o músico Hermeto Pascoal e o bandoneonista Ubirajara Silva, pai
de Taiguara –, contando com as participações especialíssimas de Toninho
Ferragutti no acordeon e de Bruno Moraes e Joana Duah nos vocais, a censura
acabava para uma das obras fonográficas mais importantes já lançadas no País. O
show é de difícil definição, pois trata-se de uma mistura de saudade, revolta e
alegria. Foram dois dias de pura emoção. As 14 músicas do show – sendo que 13
assinadas pelo Taiguara, exceto “Três Pontas” (Milton Nascimento/Fernando
Brant) – foram sendo apresentadas na ordem em que aparecem no disco. Clássicos
como “Público” e “Sete Cenas de Imyra” ganharam interpretações emocionadas, mas
a surpresa estava guardada para o sábado, quando a filha do compositor, Imyra
Chalar da Silva, que se encontrava na plateia, foi convidada a subir ao palco e
cantar a última canção do CD e do show. De frente para uma plateia extasiada,
ela fez como o pai: denunciou através da canção “Outra Cena”. Foi um dos
momentos mais belos que presenciei em um palco nos últimos anos. Imyra, com sua
voz rouca e aveludada, e com a carga emocional que lhe fora atribuída, fez
minar lágrimas dos olhos da plateia.
Acabou a angústia. Via-se no
semblante da banda capitaneada por Wagner Tiso a sensação do dever cumprido e
de ofertar ao companheiro musical de décadas atrás duas noites de luz.
Taiguara, descanse em paz.
Agradecimentos especiais a Marlene Alves pela sessão das imagens abaixo
|
Nivaldo Ornelas (sax), Zé Eduardo Nazário (bateria) e Toninho Horta (guitarra) num momento de especial entrega |
Joana Duah e Bruno Moraes emprestaram suas vozes às composições de Taiguara |
Wagner Tiso foi o maestro e o cicerone no palco |
Joana Duah: sensibilidade e precisão nas interpretações |
Toninho Horta deu sua parcela para o resultado primoroso do espetáculo |
Imyra Chalar da Silva, filha de Taiguara, comoveu o público interpretando "Outras Cenas" ao final do show |
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