quarta-feira, 4 de junho de 2014

Taiguara revisto 38 anos depois

Foto de abertura: Roberto Salazar
Agradecimentos especiais a Patrícia Chammas


Trinta e oito anos após o lançamento do emblemático vinil “Imyra, Tayra, Ipy”, do saudoso compositor e cantor Taiguara (1945-1996), o show de mesmo nome saiu do cárcere e ganhou o palco do SESC Belenzinho nos dias 30 e 31 de maio passados. Em 1976 o disco recém-lançado, verdadeira obra de arte, foi recolhido 72 horas após chegar às lojas, por determinação da censura do governo militar do então presidente Ernesto Geisel (1907-1996). O espetáculo marcado para o dia 1o de maio daquele mesmo ano, nas ruínas de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, foi cancelado apenas 24 horas anteriores à sua realização. Esses fatos demonstravam que Taiguara estava muito próximo de conseguir realizar seu sonho. Ele já vinha sendo perseguido em seus trabalhos, mas nada se compara ao que sofreu por conta desta obra. O artista sempre driblava a censura usando pseudônimos na autoria de algumas faixas e o nome de sua esposa na época, Gheisa Chalar da Silva – que se encontrava presente no show nitidamente emocionada – responde pela autoria das três canções consideradas mais controversas: “Terra das Palmeiras”, “Situação” e “Público”.  Os arranjos do trabalho ficaram a cargo do mago Hermeto Pascoal e a regência foi de Wagner Tiso. Uma verdadeira seleção de pedras preciosas da nossa música compôs a banda que se reuniu para gravar o álbum: Toninho Horta, Novelli, Jaques Morelenbaum, Nivaldo Ornelas, Zé Eduardo Nazário e mais de 70 músicos de orquestra.
Havia rumores de que este fonograma se perdera na EMI-Odeon, mas, para supressa de todos, em 2002 o disco foi remasterizado, editado em CD e colocado à venda no Japão. Assim, o velho boato que rodava em torno da perda da matriz se desfez. Em agosto de 2013 chegou às lojas brasileiras a tão esperada obra do mestre Taiguara, com a marca Kuarup de qualidade e distribuição da Sony.
Lancei nas redes sociais uma campanha em busca de pessoas que tivessem conseguido adquirir essa raridade e, entre os que se manifestaram, alguns são envolvidos diretamente com a música, como a cantora portuguesa Eugénia de Melo e Castro, que disse: “Esse disco foi minha referência desde que saiu. Sei de cor inteirinho.” O compositor e cardiologista mineiro, Márcio Hallack,  afirmou: “Foi meu LP de cabeceira por longos anos. Há poucos meses, quando ouvi ‘Terra das Palmeiras’ de novo, chorei copiosamente, como se tivesse feito uma ‘retrô’ mental e espiritual.” A produtora cultural de Belo Horizonte (MG), Marcela de Queiroz Bertelli, não mediu esforços para vir conferir esse show histórico para a música brasileira. Ela nos conta com um tom embargado pela emoção: “Quando nasci meus pais me deram este nome inspirados na canção ‘Berço de Marcela’, do Taiguara. Apenas por isso, já cultivei um afeto pelo compositor, mas é claro que sua voz, sua poesia e sua presença valem muito mais do que esse fato. ” O compositor Carlos Tiso afirma que Imyra, Tayra Ipy, é um dos melhores discos já produzidos no Brasil. Ele relata seu primeiro contato com o disco: “Andando pela rua Rio de Janeiro, centro de Belo Horizonte, em meados de 76 foi quando o ouvi pela primeira vez. Fiquei surpreso ao ver que era Taiguara, por ser diferente de tudo o que ele tinha feito até então. Maravilhoso!”
Havia uma ansiedade muito evidente nas pessoas que aguardavam no saguão para adentrar o teatro. Antigos conhecedores da obra de Taiguara dividiam espaço com muitos jovens em busca de saber o que se passava na cabeça do músico e homem politizado que ele era.
            Com a mesma banda que gravou o vinil em 76 – exceto o músico Hermeto Pascoal e o bandoneonista Ubirajara Silva, pai de Taiguara –, contando com as participações especialíssimas de Toninho Ferragutti no acordeon e de Bruno Moraes e Joana Duah nos vocais, a censura acabava para uma das obras fonográficas mais importantes já lançadas no País. O show é de difícil definição, pois trata-se de uma mistura de saudade, revolta e alegria. Foram dois dias de pura emoção. As 14 músicas do show – sendo que 13 assinadas pelo Taiguara, exceto “Três Pontas” (Milton Nascimento/Fernando Brant) – foram sendo apresentadas na ordem em que aparecem no disco. Clássicos como “Público” e “Sete Cenas de Imyra” ganharam interpretações emocionadas, mas a surpresa estava guardada para o sábado, quando a filha do compositor, Imyra Chalar da Silva, que se encontrava na plateia, foi convidada a subir ao palco e cantar a última canção do CD e do show. De frente para uma plateia extasiada, ela fez como o pai: denunciou através da canção “Outra Cena”. Foi um dos momentos mais belos que presenciei em um palco nos últimos anos. Imyra, com sua voz rouca e aveludada, e com a carga emocional que lhe fora atribuída, fez minar lágrimas dos olhos da plateia.
            Acabou a angústia. Via-se no semblante da banda capitaneada por Wagner Tiso a sensação do dever cumprido e de ofertar ao companheiro musical de décadas atrás duas noites de luz.
            Taiguara, descanse em paz.



Agradecimentos especiais a Marlene Alves pela sessão das imagens abaixo

Nivaldo Ornelas (sax), Zé Eduardo Nazário (bateria) e Toninho Horta (guitarra) num momento de especial entrega 
Joana Duah e Bruno Moraes emprestaram suas vozes às composições de Taiguara
Wagner Tiso foi o maestro e o cicerone no palco
Joana Duah: sensibilidade e precisão nas interpretações
Toninho Horta deu sua parcela para o resultado primoroso do espetáculo
Imyra Chalar da Silva, filha de Taiguara, comoveu o público interpretando "Outras Cenas" ao final do show
Da esquerda para a direita: Toninho Ferragutti, Novelli, Wagner Tiso, Joana Duah, Nivaldo Ornelas, Bruno Moraes, Toninho Horta, Zé Eduardo Nazário e Jaques Morelenbaum
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Foto: Marcela de Queiroz Bertelli
Flávio Eutáquio Bertelli, de Belo Horizonte (MG), é um dos poucos fãs que conseguiram adquirir o LP (devidamente catalogado) antes de seu recolhimento. Tinha o maestro Gaya como amigo em comum com Taiguara.
Obrigado pela colaboração, Sr. Flávio!

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