A carta poética de Cecilia Bernardes

Agradecimentos especiais a Patrícia Chammas

Com a inclusão tecnológica em nosso cotidiano, se perdeu na poeira do tempo um dos mais antigos meios de correspondência: a carta. Nela chegavam notícias alegres, tristes, declarações de amor, pedidos de perdão e até mesmo dinheiro. Em seu CD de estreia, “Carta”, a compositora e cantora paulista Cecilia Bernardes nos envia 11 faixas recheadas de poesia e vida. Somos sempre agraciados por novos cantos femininos, alguns representados por grandes selos e outros independentes, como o caso da Cecilia, que trás em sua voz a certeza de que nasceu para cantar e nos envolver entre melodias e harmonias elaboradas.

Para abrir este CD que, com certeza, é o primeiro de muitos que virão, a música que dá título, “Carta”, é uma parceira de Cecilia com a multi-instrumentista Natalia Mallo. Natalia compôs uma bela melodia e, além de tocar todos os instrumentos da canção, produziu oito faixas do álbum. Iremos ouvir neste CD frases assim: “Já faz tempo lhe mandei/ Uma carta/ Que dizia só um desenho”.

Há artistas com o dom de nos transportar através de suas canções para lugares desconhecidos, mas que se materializam nas melodias refinadas por poemas. “Castelo” (C.B.) é uma delas. Um sax soprano com suas semibreves dá o tom de como essa canção vai te conduzir. Cecilia deixa a melodia fluir e coloca sua voz a favor do belo e, no meio da canção, declama: “Ao redor/ O real jogou seu laço/ E leva seus passos para onde?”

“Cantar é muito bom, me ensina a cada dia. Cantando vou descobrindo quem eu sou, e tantas novas possibilidades de dizer algo que desperte, encante, algo tolo ou complexo, de ser grande e pequena, humana. Espero que a minha música tenha sua serventia no cotidiano de alguém, quem sabe num final de tarde, num café na cozinha, no ônibus, no trem, num encontro… Gosto de pensar que,  se o som se propaga no tempo e através do ar, da matéria, a música se propaga a partir das pessoas, nas pessoas e, também, através delas”, diz a cantora.

A terceira música do CD é a mais brasileira das canções: um samba autêntico, “Oferenda” (C.B.), dedicada ao parceiro Luciano Garcez. Não é só o Legião Urbana que tem música pra luau. Cecilia fez a melodia do belo poema “Pop Me”, em parceira com Luciano Garcez, que nos convida a acampar. O baixo de Serginho Bartolo, do Karnak, dá as ordens nesta balada, “De Novo Nova”, em que a artista mostra que trafega bem por todas as vertentes e divide os vocais com Marcos Bowie, também do Karnak. Na sequência, uma das canções mais belas que já ouvi em vozes femininas: “Ave Maria” (Cecilia Bernardes/Luciano Garcez).

Na sétima canção, “Onda” (Luciano Garcez), a artista empresta sua voz à interpretação de uma linda composição dedicada a Iemanjá. “Passarinho” (C.B.) foi inspirada em duas canções de domínio público: “Passarinho Pintadinho” e “Benzinho Veloso”, ambas cantadas pela querida Déa Trancoso. A canção “Truques com Facas” (Mauricio Pereira) ganha execução ímpar da autora do álbum. Produzida por André Abujamra, a lírica e mística canção-oração “Santo Seio” (Cecilia Bernardes/Luciano Garcez) é um presente à alma de quem a escutar. Essa carta poética se encerra com a canção de ninar “Me Nina” (C.B.), mostrando-nos que Cecilia veio pra ficar!