quarta-feira, 12 de março de 2014

Quando a viola dá asas à palavra

Foto: Marcelo Oliveira
Agradecimentos especiais a Patrícia Chammas


A felicidade que sinto ao ouvir um CD cujas músicas penetram poros adentro transformando tudo em poesia, me dá a certeza de que a música que brota da terra é verdadeira, não se vende a modismos. Wilson Dias lançou, no fim de 2013, o seu sexto CD intitulado “Lume”. Produzido pelo próprio artista em parceira com André Siqueira, Lume apresenta 13 canções, sendo 11 em parceria com o poeta João Evangelista Rodrigues, exceto “Anjo Negro”, com Miguel Cancuçu, e “Céu”, com Déa Trancoso.
Wilson é um violeiro que exala melodias emolduradas pelos seus parceiros, e Lume é, com certeza, um dos melhores CDs que já ouvi. Recheado de vida, ele nos envolve a cada faixa, transportando-nos por trilhas virgens e frescas. Na primeira faixa, “Deus é violeiro”, ouve-se: “Som de água doce trouxe a melodia/canta o dia todo, todo santo dia/salta a cachoeira, segue a cantoria/um romeiro diz: Deus é violeiro”, e é com essa chuva de poesia que a música se faz, se eterniza em versos. Flauta, oboé, violoncelo, viola e a voz rouca e inquietante de Wilson se harmonizam numa “Canção Urgente”. Em “Desafio”, João Evangelista foi feliz nos versos ao citar Jackson do Pandeiro, João do Vale, Luiz Gonzaga, e ao colocar Lampião e Don Quixote na cacunda de um jumento, no mesmo refrão: “Quixote/xote/Quixote/xote/baião”.
De presente, o álbum ganha a participação especialíssima de Ná Ozzetti, que dá voz a uma das mais belas músicas, a poética “Fluvial”, nos convidando a um mergulho no Jequitinhonha para o lavar das tristezas, das agonias e das vergonhas, como fez Maria. Uma melodia delicada, sem espinhos, num poema em que a rosa branca é o mais singelo dos personagens, se ouve em “Amorosa”. Esse é o tipo de CD em que versos e melodias pedem para serem repetidos, em horas de audição. Para ouvi-lo, temos de nos preparar, esquecer as mágoas e maus pensamentos, deixando o belo das canções nos habitar.
Um trompete solene solando na imensidão, um violão dedilhado, uma voz se entrega em busca de “Nomes”. Wilson foi feliz em convidar o grande Sérgio Pererê para juntos cantarem “Kazanga”. A música parece que foi feita para o Sérgio, que interpreta o poema de Evangelista com a voz cheia de emoção. A típica moda de viola se ouve em “Porfia”, trazendo o dueto de viola e voz, música e poesia: “Foi feitiço nosso amor/coisa feita/sei que foi por precisão/ela era meu feitio/minha festa/meu aboio/abolição”. A fé do homem simples que através de seus sacrifícios  pede a Deus chuva mansa para molhar as plantações é imortalizada em “Penitência”, que me rouba lágrimas e molha o papel em que escrevo.
A voz mineira entoa uma melodia portuguesa nos versos de “Canção de Além-mar”. Deixe os tambores de Minas rufarem em memória de João do Lino Mar, na música “Anjo Negro”. A cantora Maria Célia empresta a voz em “Céu”, na bela letra de Déa Trancoso. “Viver, viver, cantar a vida sem alarde/viver, cantar, voar sem violar a vida/à tarde descansar, asa ferida arde/arte do sofrimento, mas mesmo assim, voar”. Versos assim se ouvem em “Asa ferida”.
Esse é “Lume”, para se apreciar com a alma.


Um comentário:

  1. Antes de ler a matéria, coloco pra rodar o CD. Logo de cara "Deus é Violeiro", música que nasceu pra ser um clássico da moda sertaneja. Tudo no Wilson Dias é acolhimento. A voz típica do norte de Minas, o doce dedilhar da viola. E essa parceria com João Evangelista Rodrigues é encontro de almas gêmeas. Grande violeiro, grande pessoa, disco maravilhoso.

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