Entrevistas

Juca Novaes

O ARTISTA FALA DOS MAIS DE 30 ANOS DO EXISTÊNCIA DO FESTIVAL FAMPOP 
(EM AVARÉ,SP) DIRIGIDO POR ELE, DOS GRANDES NOMES DA MPB QUE SURGIRAM 
ATRAVÉS DESTE EVENTO E DO LANÇAMENTO DE SEU CD COM COLETÂNEA 
DE MÚSICAS CONSAGRADAS EM TODOS ESSES ANOS DE FESTIVAL


Planeta MPB Quando você idealizou o festival, há 30 anos, você tinha noção de que ele iria se tornar um dos mais importantes festivais do País, reconhecido, inclusive, pela crítica especializada?
Juca Novaes – Jamais passou pela minha cabeça, nem dos demais idealizadores, que o festival alcançaria a projeção que teve. Queríamos apenas fazer um festival do qual os músicos e compositores gostassem, e se identificassem com ele. Coisas como um júri imparcial e de notório gabarito, ou uma ajuda de custo para pagar a viagem dos músicos, ou uma sonorização de primeira linha. Isso não era padrão. Com a passagem do tempo, e com a ajuda da minha obsessão em guardar e registrar as minhas coisas e de meus trabalhos, se formou um grande acervo. Tudo está documentado, desde a primeira edição: imagens, sons, objetos, documentos. Essa obsessão de historiador, compartilhada por alguns dos demais criadores do festival, e a seriedade da organização, ajudaram o festival a se tornar referência. Comecei a levar os principais jornalistas de música do Brasil para conhecerem o evento. Isso começou a repercutir. Tinha um disco anual, e neles estão registradas obras primeiras de Lenine, Chico César, Zeca Baleiro, Moacyr Luz, Jorge Vercillo, Celso Viáfora, Jean e Paulo Garfunkel, Dani Black, 5 a Seco, Ivor Lancellotti, Carlos Careqa, dentre muitos outros. O “Canções de primeira – volume 1” saiu disso.
Registros feitos ao vivo, em fita cassete
PMPB No início, o Fampop ele era mais voltado para os músicos e compositores de Avaré e região, ou já começou aberto a todos que quisessem participar?
JN – Já começou com importância nacional, pois tivemos apoio da Melitta do Brasil na primeira edição, e pudemos oferecer um prêmio atraente. Também contratamos uma assessoria de imprensa muito eficiente. O primeiro festival já foi um sucesso de público e crítica, e foi vencido por um dos mais importantes artistas da região central do Brasil, na época – Genésio Sampaio, hoje Genésio Tocantins. Naquele ano (1983) ainda não existia o estado de Tocantins.
Primeira edição da Fampop, em 1983
Genésio Tocantins, vencedor da primeira edição da Fampop, em 1983
Zuza Homem de Mello entregou o troféu ao vencedor
PMPB Você não acha que o Fampop deveria ser um modelo para outras cidades e capitais buscarem novos talentos?
JN – Festivais competitivos existem em inúmeras cidades brasileiras, como rescaldo da moda que surgiu nos anos 60 e 70 e que marcaram a música brasileira, organizados pelas TVs Record, Excelsior e Globo. Acho que esse papel de realizar festivais continua a ser feito. A diferença é que a Fampop, de certa maneira, “matava a cobra e mostrava o pau”: eu sempre levava ao festival pessoas que poderiam amplificar as trajetórias individuais dos artistas. Por exemplo: a primeira matéria com Chico Cesar na grande imprensa saiu porque levei ao júri o jornalista Edmar Pereira, do “Jornal da Tarde”, de São Paulo. Ele ficou impressionadíssimo, voltou de Avaré e publicou uma matéria de meia página do Chico, já dizendo que ele era “o melhor autor de sua geração”. O Chico concorreu naquele ano com “Beradero”, ganhou terceiro lugar e melhor letra, num ano em que também concorriam letristas como Paulo César Pinheiro, Capinam e Sérgio Natureza. Poderia citar muitos exemplos como esse. Muitas parcerias importantes surgiram de Avaré, como a de Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro, que já criaram juntos mais de 100 canções. Sempre procurei levar pessoas com essa capacidade de levar o nome dos artistas, pessoas de rádio, de TV, da imprensa etc. Acho que esse tipo de visão pode ajudar os novos artistas a encontrarem mais espaço, o que, na maioria das vezes, é mais importante do que o prêmio do festival.
Chico César venceu a XIII edição do festival em 1990, com Beradero
PMPB Por que você acredita não haver mais grandes festivais a nível nacional, se os organizados de forma segmentada têm tanto sucesso de público?
JN – Acho que deixou de interessar às TVs, que eram as maiores propagadoras desse tipo de evento. Passou a não ser interessante do ponto de vista comercial. E a música brasileira, como não poderia ser diferente, após o final do último grande festival (Festival dos Festivais, da TV Globo, em 1985), começou uma curva descendente sem fim, com a sequência de modismos como axé, sertanejo universitário, funk, etc. A Globo tentou retomar o festival em 2000, mas alguns segmentos da própria emissora boicotaram a iniciativa, e ela fracassou. Hoje, os eventos que poderiam projetar novos compositores são centrados na figura da banda, ou no intérprete. O autor perdeu seu protagonismo.

PMPB Você deve ter milhares de fitas cassete – e agora CDs – com temas de diversos compositores. Como foi o processo de chegar a essas 11 músicas?
JN –Tenho muito material em casa, mas a escolha dessas 11 músicas foi muito fácil. E isso porque todas essas eram canções que eu cantava em casa, algumas há muitos anos. Foram escolhas afetivas, todas elas me tocam de uma forma ou de outra. Só uma acabou não entrando, embora estivesse no projeto original: “Beradero”, de Chico César. Fiz uma releitura muito diferente para ela, mas por razões de produção acabou ficando de fora. É a primeira já escolhida para o “volume 2”, rs...

PMPB Segundo o release que recebi, no CD você grava “Belorizontem”, tema mais antigo, e grava “Para Você Dar o Nome”, sendo o registro mais recente. O que você quis com isso?
JN – Por uma razão: adoro essas duas canções, e elas são atemporais. Simples assim. “Belorizontem” conheci antes da  criação da Fampop, quando fui num festival em Boa Esperança (BH), um dos primeiros dos quais participei. Eu sempre tive uma paixão por essa música, e pensei que um dia viria a gravá-la. Aliás, é a primeira gravação dela num disco comercial. Quando mostrei as primeiras gravações do CD aos meus filhos, pensei que eles não conhecessem essa canção, e o Tomás, o mais novo (13 anos) me disse: “mas eu escuto essa música desde que nasci, você sempre tocou em casa”. “Pra Você Dar o Nome”  conheci numa gravação caseira que o Tó Brandileone, seu autor, postou no Facebook. Gostei de cara. Depois ela foi inscrita no festival, foi premiada, e desde então ficou no meu “top tem”.

PMPB Este CD, “Canções de Primeira” (ou a coleção que está por vir), pode ser visto como um registro da história dos festivais?
JN – Na verdade é o meu registro sobre o que ouvi nos festivais, e o que me tocou. Curioso é que a maioria dessas canções não tem a “cara” de “música de festival”, que as pessoas em geral vinculam a uma coisa datada, de conteúdo político... Acho que meu disco, e o projeto como um todo ficará como um registro de ótimas canções que surgiram e surgem à margem da grande mídia (embora algumas tenham tido sucesso), num festival alternativo. Uma prova de que continuam a existir festivais que mostram compositores talentosos. É comum se dizer “ah, não existe mais música boa...”, “não existe mais compositor bom...” Meu disco é uma prova de que essa visão é equivocada, mesmo porque algumas das canções que escolhi surgiram no festival recentemente.

PMPB O que você sente ao ver nomes como Lenine, Chico César, Zeca Baleiro e Jorge Vercillo sendo “crias” do festival idealizado e comandado por você há três décadas?
JN – Um imenso orgulho, primeiro por fazer parte da trajetória de cada um deles, e em segundo lugar por ter a consciência de que, como já escreveu Tárik de Souza, “A MPB pulsa. E suas veias passam por Avaré”. Ou, como já escreveu Zuza Homem de Mello, “Avaré viu e ouviu primeiro”. Não há o que pague isso, um trabalho de mais de três décadas deixar uma herança como essa. Aliás, tenho uma história a contar a esse respeito. Todo ano, nós escolhemos um “patrono” do festival, que é um compositor, que faz o show da final e entrega o troféu para o vencedor. Em 1989, quando o Lenine venceu com “Quilombo”, o patrono era o Paulinho da Viola. Tenho uma foto: Paulinho e Lenine. Passados vinte anos, quando voltei a fazer o festival depois de três anos de hiato (por razões políticas locais), pensei imediatamente no Lenine para patrono. Ele se tornara o mais importante compositor de sua geração, influenciando uma nova geração de artistas. Vários desses artistas concorreram pela primeira vez no festival naquele ano (em 2009:  incluindo Dani Black e a moçada do 5 a Seco). Todos, claramente influenciados por Lenine. E Dani Black ganhou! E a foto daquele ano mostra Lenine, Dani e Pedro Altério (que também participou da apresentação). Disse ao Lenine: a história desse festival poderia ser resumida em duas fotos: a de 1989 (Paulinho e Lenine) e a de 2009 (Dani, Pedro e Lenine). Aí estão a passagem do tempo, o surgimento de um artista novo, sua reverência aos ídolos, a sua formação, o seu sucesso, a sua influência sobre a geração seguinte. Tudo isso só foi possível pela longevidade e seriedade do festival em documentar sua história, e pela passagem do tempo.
Lenine venceu a VII Fampop em 1989, com Quilombo
Capa do LP da VII Fampop
PMPB Como o produtor Juca Novaes enxerga o panorama da música popular brasileira?
JN – Acho que nunca se fez tanta música no Brasil. Inclusive música de boa qualidade. Mas o melhor dessa produção está segmentada, pulverizada, e poucos têm acesso a ela. Há uma falta de critério generalizada na grande imprensa, na análise desses novos artistas. Falta curadoria. Hoje todo mundo grava disco e põe música no YouTube e no Facebook, e não há uma voz reconhecidamente séria e respeitada que possa separar o joio do trigo, com critério e conhecimento. Estamos no meio de uma revolução, e a forma como se ouve e se difunde a música está mudando rapidamente. Está todo mundo tentando se adaptar a essa nova realidade, e querendo mostrar sua música com um mínimo de visibilidade. Estamos entrando na era em que um número cada vez maior de artistas conquistará grandes públicos, sem que a esmagadora maioria das pessoas nunca tenha ouvido falar deles.A grande tarefa é separar o joio do trigo. Quem fizer isso adequadamente se surpreenderá com várias coisas boas que estão sendo produzidas.

PMPB Você vem de berço musical que se propaga entre irmãos e sobrinhos. Como você situa os Novaes na cena musical nacional?
JN – Uma família extremamente musical, que a cada geração tem ampliado sua relação com a música. Minha mãe era cantora de rádio que abandonou a carreira por pressão do pai, porque seria impensável ter uma filha artista. Os filhos se tornaram músicos, mas cada qual com outras atividades correlatas. E os netos – como Bruna Caram e Paulo Novaes, por exemplo – já são músicos full time, e, portanto, são potencialmente melhores que seus ancestrais. Tenho uma admiração muito grande por eles, e cada passo deles é como se eu estivesse junto. Considerando que minha mãe tem mais de 20 netos, minha impressão é de que a família Novaes ainda vai contribuir muito para a música popular brasileira.

PMPB Posso definir o Juca Novaes como “um artesão em prol da música”?
JN – A música é e sempre foi a coisa mais importante da minha vida, e há mais de trinta anos tenho me relacionado de diversas maneiras com ela. É uma definição generosa, mas não está longe da realidade.

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Fernanda Cunha

A ARTISTA FALA DOS PRIMEIROS PASSOS NA MÚSICA, DA INFLUÊNCIA DA VEIA FAMILIAR,
DA CARREIRA DENTRO E FORA DO BRASIL E DOS PLANOS PARA O FUTURO

Fernanda Cunha em show na Malásia, 2011
Planeta MPB – Vinda de uma família tão musical, como se deu seu gosto pela música? Quando você sentiu que iria seguir carreira?
Fernanda Cunha – Quando eu era pequenininha, com uns seis anos, minha vó, que era pianista, me acompanhava ao piano e passávamos horas cantando na sala dela, lá em Juiz de Fora. Eu sabia todas as músicas dos “adultos”: Francis Hime, Ivan Lins, Sueli Costa, Tom Jobim... Sabia as letras todas de cabeça. Meu pai diz que eu já sabia “Águas de Março” com três anos de idade... Imagine, hoje eu não sei a letra de cor!
Enfim, a música veio no sangue mesmo e, claro, no ambiente em que eu vivia. Mas pela dificuldade de sobreviver de música, só quis seguir carreira depois de ter tentado outras possibilidades. Estudei psicologia, me formei, exerci. Trabalhei num curso de inglês também... e só em 1997, aos 27 anos, já casada, e com alguns anos de terapia nas costas, é que eu assumi a carreira e fui em frente sem dúvida nenhuma, mesmo com toda a dificuldade.

PMPB – O que Fernanda Cunha trás de Telma Costa?
FC – Trago o canto, herança maior que ela me deixou. Mas acho que somos muito parecidas em algumas coisas, principalmente na maneira de tratar as pessoas e o trabalho, sempre com muita lealdade.

PMPB – Porque você lançou seu primeiro CD nos Estados Unidos? Como foi a aceitação da crítica e do público por lá?
FC – Eu comecei a cantar em 97, no Rio de Janeiro. Não tive nenhuma ajuda de ninguém no meio musical. Absolutamente nenhuma. Nunca ninguém me estendeu a mão, me mostrou um caminho, nada. Minha mãe infelizmente tinha morrido oito anos antes do início da minha carreira. Se ela fosse viva, talvez tivesse sido mais fácil, tivesse tido algum apoio. Eu via tanta porta fechada que pensei: “Ou desisto, ou vou sair daqui e buscar meu caminho”.  E foi o que fiz. Cantei muito nos EUA, fiz muitas conexões com músicos maravilhosos que me incentivaram bastante. A receptividade do público americano era muito grande; ganhei confiança no meu próprio trabalho, e gravei meu primeiro disco lá. E aí voltei, com a esperança de que com um disco debaixo do braço as coisas seriam mais fáceis aqui...

PMPB – Em 2004 você lança o CD “Dois Corações”. Como o álbum foi recebido na época pela crítica? Agora, dez anos depois, a gravadora Kuarup o relança. Como você recebeu a notícia deste relançamento?
Fernanda Cunha e Johnny Alf, 2004
FC – Fui eu que propus à Kuarup relançar, porque o Johnny Alf foi um compositor muito importante na música brasileira, e ninguém nunca fez um disco em homenagem a ele. Eu gravei este CD em 2004 quando ele ainda estava vivo. Pude dar a ele flores em vida...  Mas também acho importante que as novas gerações tenham contato com a obra do Johnny, e este CD tem esta proposta. Ele estava esgotado, acho importante ele voltar às lojas. Na época o CD foi muito bem recebido pela crítica. Algumas eu guardo até hoje comigo – críticas escritas por jornalistas que eu respeito muito como o Hugo Suckman (que na época escrevia no Globo), o Ailton Magioli (do Estado de Minas, que escreve sempre sobre todos os meus discos), Tárik de Souza (que na época escrevia no Jornal do Brasil), Egídio Leitão, entre outros. Curiosamente, tendo o Johnny escolhido São Paulo pra viver, não saiu nada em São Paulo, nem na Folha de SP, nem no Estadão. Também não fiz shows em São Paulo deste disco. Na época também saiu crítica do disco em Vancouver (no Canadá), na Bélgica, em Londres e nos EUA.
Sueli Costa, Johnny Alf e Fernanda Cunha
PMPB – Você tem participado de grandes festivais mundo afora. Como é tocar para um público tão exigente? O que você acha que o público estrangeiro busca em shows de MPB dentro de seus países?
Festiva Jazz a Juan, Franca, 2011
FC – Tocar no exterior tem sido meu estímulo pra continuar fazendo a música que eu acredito. O público é exigente sim, mas eu também sou exigente comigo, então tem sido uma troca interessante e estimulante. Eles procuram qualidade, sofisticação, leveza, emoção. Já cantei na Malásia, no Canadá, em dez países da Europa, Argentina, etc. Eles não entendem a letra, mas se emocionam, e isso é tão lindo de ver... Eu saio renovada dos shows, sabendo que é preciso continuar.

PMPB – Em 2007 você também gravou um CD temático, com parcerias entre o Tom e o Chico. O que este CD lhe proporcionou? Você pensa em relançá-lo?
O violonista Zé Carlos e Fernanda Cunha
FC – Este disco eu gravei em duo com o violonista Zé Carlos. E saiu quando o Tom faria 80 anos. Fizemos muitos shows no Brasil com este disco, que foi distribuído pela extinta gravadora CID. Foi o disco que mais vendeu. Foram feitas duas ou três prensagens, e até hoje ainda vende no iTunes e outras mídias eletrônicas. Mas não penso em relançar, é um trabalho muito intenso, e eu já dediquei bastante tempo a ele. Quero fazer outros projetos, tocar a carreira pra frente.

PMPB – Como você encara o mercado fonográfico brasileiro, já que a mídia quase não dá espaço na divulgação?
FC – Muito difícil. Não é nem o mercado fonográfico, é a divulgação do trabalho que fica muito limitada. Tenho certeza absoluta de que o brasileiro gosta de música de qualidade. É uma bobagem dizer o contrário. Só que é necessário que esta música chegue até as pessoas. As rádios precisam cumprir este papel. E sinto muita dificuldade de trabalhar aqui no Brasil. Fiz um show em março, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, às 11 horas da manhã, num domingo chuvoso, ao ar livre. A plateia estava toda lá, vendi duas caixas de discos! Esse é meu termômetro para atestar que as pessoas gostam do meu trabalho, mas é preciso que eu chegue até elas.
Museu da Casa Brasileira, março de 2014
Todo ano surgem quatro ou cinco artistas da moda, que fazem um “estilo performático” que não é música. Isso aparece na TV, toca nas rádios, ganham críticas incríveis nos principais jornais... Não preciso dar nomes. Mas isso acaba. Quantos deles a gente já viu aparecer e sumir rapidamente?  E, por outro lado, tem milhares de cantores/compositores/músicos que estão aí até hoje e não têm o espaço devido no nosso país. Eu não faço qualquer coisa para aparecer na mídia – colocar uma fantasia, um olho verde, essas coisas... Eu só sei cantar, escolher meu repertório, buscar arranjos com meus músicos, respeitar meu público, enfim, música sem fantasia.

PMPB – “Coração do Brasil” é um CD no qual você faz releituras de alguns clássicos. Como foi a concepção deste repertório?
FC – O repertório é um reflexo do que eu canto nos festivais de jazz do exterior. O CD tem dez músicas. Cinco são regravações, a outra metade é de inéditas ou quase inéditas. Três são inéditas (Sueli Cota, Marcio Hallack e Camilla Dias) e duas quase inéditas (gravadas só pelo próprio compositor: Antonio Adolfo e Daniel Gonzaga).

PMPB – Com mais de 15 anos de carreira, como você analisa cada período dela, e o que você ainda quer gravar? Quais os planos para os próximos trabalhos?
FC – É uma vida de altos e baixos... Quero gravar muita coisa ainda. Este ano eu encerro no final de novembro a turnê do “Coração do Brasil” e em dezembro já quero entrar em estúdio pra gravar outro trabalho. Ainda não decidi, mas a princípio quero gravar um disco de inéditas. Andei compondo algumas músicas também e já acionei o Jorjão Carvalho pra fazer os arranjos dessas minhas músicas, então, talvez o caminho seja mais ou menos esse. Ainda não amadureci a ideia.
Com o músico/arranjador Jorjão Carvalho
Quero futuramente também gravar um disco cantando só músicas do Márcio Hallack, outro disco cantando só músicas de Dori Caymmi, e quero também gravar um CD em duo com o guitarrista Reg Schwager (com quem trabalho com frequência lá). Não dá pra gravar vários discos de uma vez, até porque não vou ter tempo de trabalhar vários projetos no ano, vou precisar priorizar isso. Mas um desses projetos sai no ano que vem.
Com o compositor Márcio Hallack
Com o guitarrista/violonista Reg Schwager
PMPB – Mande um recado aos leitores do Planeta MPB!
FC – Queria primeiro agradecer a você por abrir este espaço incrível que é o Planeta MPB. E tenho certeza de que seus leitores também agradecem muito este canal de informação tão democrático. Meu recado aos leitores é que vocês continuem lendo o Planeta MPB, assim como outros sites que divulgam a música brasileira que muitas vezes não está nas rádios. Hoje em dia, a internet tem esse poder de trazer conhecimento. Então, busquem mesmo a música que toca o coração de vocês. A música é uma ferramenta importante na vida da gente pra celebrar momentos bonitos, pra chorar as mágoas, dançar, namorar, pra espantar a tristeza, pra se ter alegria... Para nós, artistas, é muito importante e fundamental que vocês nos procurem, assistam nossos shows, comprem nossos discos, mandem suas mensagens... A arte é uma troca fundamental pra quem faz e pra quem consome. 

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Filpo Ribeiro | Pé de Mulambo

FILPO FALA DE COMO O TRIO COMEÇOU, DAS INFLUÊNCIAS NAS COMPOSIÇÕES,
DO PAPEL DA RABECA NA SINGULARIDADE DO TRABALHO E DO QUE OS MOVE DENTRO DA MÚSICA

 Ouça as músicas do Pé de Mulambo no SoundCloud!

Planeta MPB – Como você explica um autêntico paulista fazer música nordestina com a identificação que se nota no seu trabalho?
Filpo Ribeiro – O que ajudou nesse processo foi justamente o fato de estar em São Paulo. Aqui temos uma presença muito grande da música de outras regiões, sobretudo a música nordestina. Comecei a tocar rabeca no litoral sul de São Paulo, aprendi com os mestres de fandango caiçara (ritmo tradicional da região). Aqui em São Paulo tive contato com rabequeiros e músicos pernambucanos – Murilo Silva, rabequeiro e ilustrador (inclusive fez a arte do primeiro disco), Mestre Nico, alguns integrantes do Mestre Ambrósio, Júnior Caboclo (que atualmente integra a Banda de Pífanos de Caruaru), e os próprios integrantes do Pé de Mulambo, Rone e Guluga – que, em festas caseiras, tocavam muita coisa tradicional de lá: forró de rabeca, cavalo marinho, coco, frevo etc.

PMPB – Você chegou a ouvir mestres como Jackson do Pandeiro para compor com tanta propriedade o coco “Virado no Mói de Coentro”?
FR – Sim, com certeza. Muito Jackson, Genival Lacerda, Jacinto Silva... Ouvi também muito da matriz da música deles: os cocos de embolada, coco rural, coco de praia. Agora, estando aqui em São Paulo, não se ouve esse tipo de coisa na rua com tanta frequência como é no nordeste, então a pesquisa se baseia mais em cima de discografias e, hoje em dia, de acervos digitais etc. Voltando ao Jackson, na gravação do programa Ensaio (MPB Especial) ele fala sobre o “rojão” e sua estrutura. Segundo ele, é uma música que tem um refrão que intercala “versos” (estrofes) cantados de forma “amartelados” (mais rítmicos). Essa fórmula é muito semelhante a alguns tipos de cocos, e é a fórmula usada na música “Virado no Mói de Coentro”.

PMPB – Quanto você considera que o grupo evoluiu em termos de composição e arranjos desde o primeiro CD?
FR – Em relação às composições podemos destacar a participação de compositores de fora do grupo. Tem parceiros antigos como o Júnior Caboclo, Jonathan Silva, Marcos Alma e Meramolim, e parceiros novos como Guegué Medeiros, Ricardo Ribeiro e Nilton Júnior. Em relação aos arranjos, assumimos a posição de que os músicos deveriam ser mais versáteis, aproveitar o máximo de cada um. Eu peguei mais a viola, explorei mais recursos na rabeca (como, por exemplo, fazer o acompanhamento da voz principal com linhas melódicas ou “sugestões harmônicas”); o Guluga assumiu de vez o baixo; e o Rone tocou, além do triângulo, um set reduzido de bateria e outros instrumentos de percussão. E o desafio foi levar esse formato para os shows, mantendo apenas os três músicos. Até agora tem dado certo.

PMPB – Porque a rabeca? Onde você desenvolveu tanta técnica pra tocar?
FR – Conheço a rabeca desde pequeno por conta da Romaria do Divino Espírito Santo, da Reiada (Folia de Reis) e do Fandango Caiçara de Cananéia, região que frequento desde criança. Depois houve uma lacuna desse instrumento pra mim, quando essa tradição foi ficando esquecida. Já adolescente, houve uma retomada, uma reativação através do trabalho de pesquisadores, músicos e dos próprios grupos da região. Daí aprendi a tocar, e formamos o grupo Jovens Fandangueiros do Itacuruçá, com amigos que moram na Ilha do Cardoso. Mas a forma de tocar e a formação instrumental usada nessa tradição levam pra outro lado, outra sonoridade. Lá a rabeca tem a função clara de solista, é acompanhada por duas violas que sustentam a harmonia. Já no forró de rabeca, onde é comumente acompanhada apenas por instrumentos de percussão, ela tem que dar conta de apoiar as vozes e solar. E o curioso é que, de modo geral, esse apoio se dá com a rabeca fazendo exatamente a mesma melodia da voz principal. Mesmo assim, por se tratar de um instrumento com muitos harmônicos, muita “sujeira”, acaba por preencher o espectro sonoro, dando a sensação de que há um acompanhamento sustentando as vozes. Depois de um tempo tocando forró, comecei a me arriscar fazendo contracantos ou ataques usando cordas duplas enquanto cantava, deixando implícito um acompanhamento harmônico. 

PMPB – Além de tocar o autêntico forro pé-de-serra, vocês também frequentam ritmos como maracatu e samba. Qual é a proposta do grupo?
FR – O Pé de Mulambo surgiu com a proposta de ser um grupo de música regional, um pouco de fandango caiçara, um pouco de Nordeste, Centro-oeste, e até um pouco caipira por conta da presença da viola. Mas com o tempo fomos direcionados (ou absorvidos) pelo público e pelo circuito do forró pé-de-serra, sobretudo no estado de São Paulo. A questão é que, apesar de frequentar muito mais os eventos ligados ao forró, não deixamos de lado a proposta de tocar/pesquisar outros gêneros como o coco, ciranda, samba de roda etc. E acabamos por levar essa variedade pra dentro dos salões de forró, incentivando o pessoal a tentar umas pisadas no coco, uma roda de ciranda, enfim, tentar outras formas dança além do tradicional (e muito bom!) “bucho com bucho”. E o público, de modo geral, tem interagido e respondido bem a essa proposta.

PMPB – Li que você conheceu os dois pernambucanos do grupo aqui em São Paulo. O que eles trouxeram de contribuição para o som do Pé de Mulambo? Qual a liga principal para o trio funcionar tão bem?
FR – Com certeza as maiores contribuições foram a pegada, o suingue e a munganga presentes na veia dos dois. Isso se traduz no vigor do som do grupo. Mas também não dá pra pensar apenas na parte musical. A desenvoltura e presença de palco dos dois dão muita identidade ao Pé de Mulambo. E a liga talvez seja essa, eu fico mais quieto no meu canto concentrado no que tá rolando e conduzindo a música através da rabeca; o Guluga comanda muito da dinâmica das músicas, as “quebradeiras” e as mungangas; e o Rone faz a ponte entre a banda e o público, enquanto segura o “bit” no triângulo.

PMPB – O que o grupo tem do extinto Mestre Ambrósio?
FR – Provavelmente a proposta, apesar do Mestre Ambrósio não ter entrado de cabeça no forró (que na época vivia o auge do Forró Universitário). A presença do Ambrósio aqui no Sudeste também foi importante pra difundir a música regional pernambucana e principalmente a rabeca. Isso facilitou bastante a aceitação do nosso som, apesar de ainda haver muita resistência ao forró tocado sem sanfona. 

PMPB – O grupo é paulista. Vocês já tocaram no nordeste?
FR – Fizemos uma viagem para o nordeste, pra tocar no Festival de Inverno de Garanhuns em 2012.

PMPB – O que o Filpo tem a dizer aos leitores do Planeta MPB sobre o Pé de Mulambo?
FR – É um som que se pode assistir numa sala de reboco como se estivesse num teatro ou pra se acabar de dançar num teatro como se estivesse numa sala de reboco.

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